Ferrari, da Tex Cotton: painel com avô e ferrovia em frente à empresa resgata histórias/Foto: Leo Laps
Ferrari, da Tex Cotton: painel com avô e ferrovia em frente à empresa resgata histórias/Foto: Leo Laps

Uma indústria que nunca sai de moda

Líder na produção de roupas, Santa Catarina tem história, competência e densidade setorial que ajudam a superar crises e crescer acima da média

Produzida em acrílica pelo artista blumenauense Jean Tomedi, a arte que ocupa toda uma parede da sala do presidente e fundador da Tex Cotton, Sérgio Ferrari, conta algumas histórias sobre a indústria do vestuário de Santa Catarina. À direita, um trabalhador de óculos e camisa branca opera uma máquina de tear. É o avô de Sérgio, Leopoldo Ferrari, que em 1965 foi premiado como Operário Padrão de Blumenau e Santa Catarina pelo desempenho na Cia. Hering. No lado oposto, uma locomotiva a vapor passa em frente ao prédio que a Tex Cotton arrematou em um leilão em dezembro de 2018, e que pertenceu por décadas a uma das marcas que ajudou a dar fama internacional para a indústria catarinense: a Sulfabril.

Uma indústria que nunca sai de moda/Foto: Divulgação Hering

Junto a empresas centenárias como Renaux, Karsten e a própria Hering, e tantas outras mais recentes, a Sulfabril fez da manufatura têxtil uma das maiores forças de desenvolvimento socioeconômico da mesorregião do Vale do Itajaí e de cidades como Jaraguá do Sul. O crescimento contínuo dessas indústrias potencializou o surgimento, ao longo do século 20, de muitos outros empreendimentos dedicados ao ramo, criando um aglomerado industrial nesses locais e até novas iniciativas em regiões como o Sul e a Serra Catarinense.

Crescimento da Produção

A crise que a abertura comercial causou para o setor nos anos 1990 derrubou nomes fortes como a própria Sulfabril, que viria a decretar falência em 1999. Mas o setor como um todo soube se adequar e inovar e conquistou a liderança nacional no decênio 2008-2018, quando os catarinenses ultrapassaram São Paulo e responderam por 26,8% do total de peças produzidas, de acordo com estudo da CNI. Resultados recentes demonstram que o segmento segue em ascensão, crescendo 9,4% nos últimos 12 meses, quase o dobro da média nacional (4,1%), segundo o Observatório FIESC.

Três quartos dos estabelecimentos e quase 60% dos empregos de todo o setor têxtil estão envolvidos com a confecção de artigos do vestuário e acessórios. São quase 95 mil vagas de trabalho, mais da metade delas no Vale do Itajaí. Há locais muito especializados, como a indústria do jeans no Alto Vale e a de moda praia e íntima em Ilhota. As empresas de grande ou médio porte representam menos de 2% do total, mas fomentam uma longa cadeia produtiva e estimulam o empreendedorismo. Nos últimos anos, gigantes do varejo como C&A, Pernambucanas e Renner multiplicaram as encomendas de firmas catarinenses.

“Nós abastecemos todo o Brasil. No Brás (distrito paulistano famoso pelo comércio de roupas), 70% do que é vendido foi produzido aqui. Temos uma imagem de qualidade, seriedade e organização consolidada ao longo de muitas décadas”, afirma o vice-presidente para Assuntos Regionais da FIESC no Vale do Itajaí, Ulrich Kuhn. Com longa experiência no setor, o empresário também menciona políticas de estado como o Prodec Têxtil, instituído em 1997, e os incentivos fiscais nos portos catarinenses como elementos essenciais para manter Santa Catarina competitiva no mercado nacional.

Loja no Brás, em São Paulo: 70% das roupas são produzidas em Santa Catarina/Foto: Edinaldo Maciel/Shutterstock

Experiência | A constância da indústria do vestuário se deve à estrutura econômica, investimentos contínuos e ao know-how fabril e experiência de longo prazo, de acordo com Marcelo Masera de Albuquerque, economista do Observatório FIESC. “A cultura que se desenvolveu aqui ao longo das décadas foi importantíssima para a rápida recuperação após o começo da pandemia da Covid-19”, avalia o pesquisador. As 7.800 vagas perdidas em 2020 foram mais que recuperadas em 2021, que encerrou com 9.900 vagas a mais. E até maio de 2022 já havia um saldo positivo de 5.300 vagas de trabalho registradas em Santa Catarina.

Resiliência foi qualidade essencial para manter o empresário Sérgio Ferrari no ramo. Em 1986, o jovem de 25 anos pediu a conta no agora extinto BESC e fundou a Sol Tropical, uma pequena facção no Bairro Garcia. Onze anos depois, mesmo com a crise dos anos 1990, o blumenauense ampliou seus negócios e mudou o nome da empresa para Tex Cotton. Passou a atender grandes magazines como a Renner, já focado no nicho de moda infantil.

“O conhecimento adquirido ao atender a Renner nos propiciou dar o próximo passo, e em 2008 lançamos nossa primeira marca, a Animê. Isso nos deu mais liberdade para criar e rentabilidade”, recorda Ferrari. Atualmente a Momi, marca especializada em roupas para meninas, é o carro-chefe da Tex Cotton, representando 50% do total de 4 milhões de peças produzidas por ano, todas com marcas próprias.

A compra da planta da Sulfabril teve natureza pragmática: a empresa estava espalhada por diversos imóveis e precisava se reorganizar. O fato de ter sido construída para atender uma indústria do mesmo setor facilitou as reformas, que incluíram a substituição de 5 toneladas de fiação elétrica, climatização e instalação de energia fotovoltaica.

“Não compramos a Sulfabril, compramos o imóvel que pertenceu à Sulfabril. Mas o mercado passou a nos ver de forma diferente depois disso, e percebemos uma maior retenção de funcionários. Eles gostam de trabalhar em um lugar com toda essa história”, conta Ferrari. Localizado em uma das ruas arteriais da cidade, o prédio chama ainda mais a atenção depois que a empresa instalou uma antiga locomotiva no alto de um ferroduto que fazia parte da Estrada de Ferro Santa Catarina e que está preservado no pátio da fábrica.

A Tex Cotton conta com 550 trabalhadores em Blumenau e outros 60 em Otacílio Costa, onde uma filial foi inaugurada em janeiro deste ano. O pequeno município da região serrana sempre teve na indústria de base florestal sua principal fonte de emprego – para os homens. Quem primeiro enxergou a demanda reprimida de trabalho para mulheres em Otacílio Costa foi outra empresa do setor, a Brandili.

Em 2011, a malharia fundada em Apiúna nos anos 1960 abriu a primeira filial na cidade, onde hoje conta com cem funcionários. “Houve um alto custo de implementação. Em Blumenau há mão de obra treinada e entidades apoiando a indústria têxtil. Lá, começamos do zero. Foram cinco anos até atingirmos o mesmo nível de produtividade da matriz”, revela Jacques Douglas Filippi, diretor-geral da Brandili.

Filippi, da Brandili: investimentos em e-commerce e expansão da rede de lojas/Foto: Leo Laps

A busca por trabalhadores é uma constante batalha em um setor que necessita de muita mão de obra e que, ao mesmo tempo, paga salários abaixo da média da indústria. O dado se justifica parcialmente por ser um setor que gera muito primeiro emprego: um terço dos contratados não tem ensino médio completo. Outro aspecto é que a alta concorrência mantém as margens no limite.

“É um setor meio nômade, que precisa ir atrás da mão de obra, e para baratear o custo de vida dos trabalhadores vai até os pequenos municípios onde eles moram. Ao mesmo tempo, eles precisam estar próximos de núcleos maiores para ter acesso à assistência técnica e insumos”, pondera o presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau (Sintex), José Altino Comper.

Na mesma época da aposta em Otacílio Costa, a Brandili também expandiu seus negócios fundando uma malharia em Rodeio e inaugurando um centro administrativo em Blumenau. Tal movimentação marcou o início de um processo de reestruturação interna. A família controladora começou a sair da operação e contratou profissionais para dirigir a empresa, que vinha em plena expansão.

“O crescimento era pujante e não havia um planejamento estratégico, a empresa ampliava e seis meses depois quebrava a ampliação para construir mais”, relembra Filippi, que entrou na empresa aos 14 anos, em 1996, e depois de diplomado ajudou a desenvolver o setor de Recursos Humanos. Em 2014, ele estava prestes a abrir seu próprio negócio quando foi convidado para assumir a Brandili Malhas, braço da empresa em Rodeio. No final de 2019, foi alçado ao cargo de diretor-geral.

“Foi um período de alinhamento estratégico. Decidimos nos organizar dentro de casa para atender qualquer situação de mercado com eficiência e qualidade. Acabamos perdendo mercado nesse processo, e agora é hora de reconquistar o espaço”, afirma. Entre os planos da Brandili está o fortalecimento do e-commerce, lançado em 2020, e a expansão das lojas licenciadas. Até o final do ano, a meta é dobrar o número de unidades (atualmente são 21). No ano passado, o faturamento cresceu 40%.

Setor do Vestuário em SC

Jeans | No Alto Vale do Itajaí, o jeans é o carro-chefe da economia têxtil. As primeiras produções datam do começo dos anos 1970, mas foi nos anos 2000 que o produto começou a conquistar o mercado nacional. Para o presidente do Sinfiatec, o sindicato industrial da região, o acúmulo de aprendizado e de experiência trouxe resultado pouco a pouco.

“Foi se criando uma cultura, foram surgindo as lavanderias, a modelagem foi melhorando e valorizando cada vez mais o corpo da mulher. Hoje temos a peça com maior valor agregado do Brasil, com um tíquete médio de fábrica de R$ 119 a unidade”, revela Hemerson May, que também é proprietário de uma pequena fábrica de jeans com 22 funcionários, a Ziann Jeans.

Uma nova iniciativa busca elevar a produção local a um novo patamar. O projeto Vale Azul visa criar uma identificação geográfica e fomentar ações para melhorar a produtividade e lucratividade, além de estimular a internacionalização e a construção de marcas mais fortes. “Ainda somos um patinho feio, e precisamos aprender a nos vender melhor. Queremos profissionalizar ao máximo nosso polo”, aponta May.

Uma das empresas que surgiu a partir das demandas da indústria local foi a Lavanderia Quality. Fundada em 1984, hoje é capitaneada pelos sócios Fernando Gusmão de Melo e Silva e Cláudio Battisti. Desde a chegada de Gusmão, em 2016, a Quality começou a diversificar seu negócio e atuar também com malhas. Atualmente, 60% do faturamento vem dos serviços de preparação de tecidos para a Renner – o jeans responde por apenas 30% do trabalho da indústria de 50 funcionários e faturamento de R$ 4 milhões.

Gusmão, da Lavanderia Quality: reforço ao polo de jeans do Alto Vale

A Quality é um bom exemplo de como funciona a cadeia de produção de roupas no Estado, envolvendo uma série de micro e pequenas empresas. A lavanderia recebe a malha em rolo e faz um processo de pré-encolhimento e torção. Então envia a malha para um âncora, que negocia diretamente com a magazine e repassa as peças já cortadas para as facções, onde os produtos são costurados. As peças voltam para a lavanderia e passam por tingimento e processos especiais como tie-dye, estonagem e outros. Depois as roupas são enviadas para estamparias e seguem adiante, até chegarem ao consumidor.

Para Gusmão, que entrou na empresa após experiências em multinacionais, a maior dificuldade encontrada foi a falta de organização e de processos. “O caldeirista trabalhava sem camisa e de chinelo. Havia R$ 400 mil em multas trabalhistas a pagar, não havia documentação. Ainda falta muita coisa, mas estamos conseguindo mudar a mentalidade dentro da empresa”, conta.

À frente da Marisol, uma das empresas líderes em vestuário infantil, Giuliano Donini acredita que o setor têxtil como um todo precisa se redesenhar para se manter competitivo. O CEO da empresa de Jaraguá do Sul preside a Câmara de Desenvolvimento da Indústria Têxtil, Confecção, Couro e Calçados da FIESC, onde conceitos expressos por termos de língua inglesa têm centralizado muitas discussões. Um deles é o ESG (Environmental, Social and Governance), referente a práticas sustentáveis de produção e de consumo, que está mexendo com alguns alicerces do setor.

Donini, da Marisol: mobilizando o setor para criar ecossistema colaborativo/Foto: Leo Laps

Arranjos | Outro conceito em debate é o de cluster. Para Donini, transformar o aglomerado industrial de Santa Catarina em arranjos produtivos locais (tradução mais próxima do jargão) exigirá uma grande mudança cultural. “Atualmente não temos um cluster, temos uma cultura de indústria têxtil. Somos muitos, temos uma história e sabemos fazer. Mas um cluster demanda arranjos que não vejo hoje no Estado porque fomos induzidos a não cooperar. É um setor muito individualista, que não se expõe e tem raízes familiares muito fortes. Isso tudo pode ter servido por um longo tempo, mas não nos tempos atuais. É o que as economias que estão atropelando o senso comum nos dizem.”

Dentro da própria Marisol, um experimento começou a ocorrer no final de 2021. A empresa abriu as portas de seu parque fabril para a instalação de outras empresas da cadeia, inclusive competidores, criando um condomínio batizado de SisTex. “É um cluster controlado, um ecossistema. O ideal mesmo seria fazer isso extramuro. Mas já conseguimos, por exemplo, baixar o custo de algumas etapas em até 15%”, relata Donini.

(*) jan-mai
Fonte: Observatório FIESC

Isso apenas eliminando, por exemplo, custos de transporte e embalagem. “Estamos acostumados a ganhar dinheiro dos outros, e não com os outros. A pergunta é: como podemos ganhar dinheiro juntos? Precisamos otimizar as empresas para gerar diferencial competitivo, e a clusterização é uma oportunidade para fazer isso. Mas é preciso mudar toda uma cultura para isso acontecer”, desafia o CEO.

Obs.: Em 2020

Fonte: Observatório FIESC

Leia Também: Municípios mais industrializados de SC lideram geração de emprego em 2022

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