A Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC) lançou nesta sexta-feira (8) a primeira versão do Projeto Travessia, que consiste numa proposta para enfrentar a crise pós-coronavírus. A iniciativa vai atuar em quatro frentes: reinvenção da indústria e da economia, investimento em infraestrutura, atração de capital e pacto institucional. A iniciativa foi apresentada no Fórum New Deal SC, evento on-line que reuniu Andrea Salgueiro Cruz Lima (Whirlpool), Fernando Cestari de Rizzo (Tupy), Eduardo Sattamini (Engie Brasil Energia), Amélia Malheiros (Fundação Hermann Hering), Harry Schmelzer Jr (Grupo Weg), Eric Santos (Resultados Digitais) e o ex-ministro do Planejamento, Martus Tavares (Bunge Brasil) em encontro coordenado pelo presidente da FIESC, Mario Cezar de Aguiar. O Fórum faz parte da programação alusiva aos 70 anos da FIESC, comemorados em maio.
“A pandemia impõe para as pessoas uma profunda mudança de comportamento. A empresa que se adaptar a esse novo cenário sairá mais rapidamente da crise. Ouvimos lideranças para debater os desafios e as tendências da indústria para o enfrentamento da pandemia e pós-pandemia. Foi importante ouvi-los e trocar experiências para direcionar as ações das empresas catarinenses”, afirma o presidente da FIESC, Mario Cezar de Aguiar.
O objetivo do projeto é promover uma travessia da crise, provocada pela pandemia, e que deve ter como consequência crises econômicas, de emprego, sociais e institucionais. Na primeira fase do projeto, a FIESC vai interagir com as diversas forças da sociedade, especialmente do meio empresarial, para buscar sugestões e aperfeiçoar o planejamento e as possíveis ações que podem ser implementadas. “Sabemos que, pela dimensão e pela complexidade da crise, o impacto vai ser forte. Então, uma ação que tem que ser tomada o quanto antes é o planejamento para a saída da crise”, explica o diretor de inovação e competitividade da FIESC, José Eduardo Fiates.
Aguiar lembra que a pandemia despertou o Brasil para os riscos da dependência externa do processo de manufatura e para a importância de ter uma indústria local forte. “Os problemas que tivemos para viabilizar a disponibilidade de produtos como respiradores reforçam isso”, exemplifica.
Para elaborar o projeto, a FIESC fez uma ampla análise de estudos de consultorias internacionais que estão traçando cenários pós-coronavírus. Depois, a entidade comparou com países que tiveram uma situação dessa natureza no passado e criaram planos estruturantes, como o New Deal, dos Estados Unidos. A partir dessa análise, a Federação fez uma síntese daquilo que se adapta à realidade do Brasil e do estado e estruturou uma proposta que tem o objetivo central de posicionar Santa Catarina como referência em desenvolvimento e crescimento sustentável. Esse objetivo central é apoiado pelos quatro objetivos principais que são: a reindustrialização e o fortalecimento da indústria, a atração de capital, o desenvolvimento da infraestrutura e o pacto social e institucional. “O que pretendemos é criar um plano estratégico e tático com alguns pontos cardeais para navegar nessa travessia”, resumiu Fiates.
Confira abaixo um resumo da fala dos participantes do Fórum New Deal SC
Andrea Salgueiro Cruz Lima, CEO da Whirlpool no Brasil: “Essa situação que vivemos não tem precedentes e não tem nenhum livro de gestão de negócios que pode nos ajudar a dizer o que fazer. Vivemos num mundo que é linear e essa transformação não é linear, mas vai ser tão profunda que mudará permanentemente nossos hábitos. E as empresas de bens de consumo, de serviços e o varejo vão ter que se preparar para quando a economia retomar”, afirmou. Andrea acredita que a estabilização pós-Covid-19 ainda vai demorar para acontecer e isso vai afetar de maneira profunda a economia. “A questão do aumento do desemprego vai acabar acontecendo e a contração de renda também. E isso vai fazer com que os consumidores busquem produtos de melhor equação de valor”, explica. Ela também chamou a atenção para o crescimento das vendas pelos canais on-line.
Fernando Rizzo, presidente da Fundição Tupy: “Estamos lidando com uma tragédia humana. Temos uma longa caminhada pela frente. Essa crise começou com uma crise sanitária, se transformou numa crise econômica e logo será uma crise social”, disse. Na opinião dele, para minimizar os efeitos, os governos vão precisar atuar fortemente em escala global, como vem ocorrendo. Inclusive, a média de endividamento governamental deve subir para próximo de 100% do PIB em 2020. “Isso vai se refletir em menor capacidade de investimento e as reformas estruturais vão ser ainda mais importantes. E o Brasil não foge à regra”, afirmou Fernando. Ele destacou que há oportunidades no horizonte e explicou que, com as tensões geopolíticas que estão ocorrendo, indústrias brasileiras do setor metalmecânico podem tornar-se uma alternativa importante de fornecimento para a América do Norte e Europa. Rizzo observou ainda que o câmbio nos patamares atuais incentiva a nacionalização da produção de inúmeros componentes que o Brasil passou a importar nos últimos 15 anos. “Nesse cenário, investimentos em infraestrutura serão essenciais e isso vai ativar uma grande cadeia de produção de máquinas e equipamentos”, declarou.
Eduardo Sattamini, diretor-presidente da Engie Brasil Energia: Ele destacou que um dos efeitos da Covid-19 no setor de energia foi a queda de 14% na demanda do insumo no país. “Isso demonstra uma redução da atividade econômica, da indústria, do comércio e dos serviços”, explicou. Ele acredita o setor elétrico vai fechar 2020 com redução da demanda, mas com perspectivas de recuperação para 2021. Eduardo disse que o setor pode ajudar na retomada com ações de longo prazo. E citou como exemplo as discussões com governo federal para rediscutir os impostos e a estrutura de custos. Atualmente, no Brasil, 49,8% do valor pago pelo consumidor na conta de energia elétrica consiste em impostos e encargos. No caso de Santa Catarina, 14% do valor pago numa fatura de energia são encargos setoriais e 26% são impostos como o ICMS. Segundo Sattamini, esse excesso de taxação em cima da energia acontece porque é um tributo fácil de recolher. “Então, o setor elétrico passou a ser um agente fiscal. O consumidor acaba pagando um valor extremamente elevado. Estamos trabalhando para tentar desonerar essa tarifa para que a energia seja mais barata para o consumidor”, declarou.
Amélia Malheiros, gestora na Fundação Hermann Hering, comentou as mudanças no setor têxtil, lembrando que a moda brasileira tem destaque no mundo. Ela destacou a importância de amplificar a inovação presente no setor. O segmento promove o movimento #euvistobrasil para incentivar o consumo de produtos nacionais. “Estamos trabalhando para entender no setor têxtil a inovação. Somos criativos, mas temos várias barreiras. Exemplo disso é a nanotecnologia, que pode evoluir com a união dos setores com o alicerce da FIESC. Se hoje a nossa roupa estivesse medindo a nossa temperatura e enviando esses dados para o sistema de saúde… se a nossa toalha de banho, ou roupa de cama, estivessem aptas para combater bactérias que trazemos no nosso corpo, eu diria que teríamos um bom diferencial competitivo. O desafio é fazer com que essa fibra segure essa propriedade a partir de muitas lavagens”, comentou. Malheiros sugere que áreas como farmacêutica, química e de engenharia atuem no desenvolvimento de fibras mais inteligentes e sustentáveis, que causem cada vez menos impacto.
Harry Schmelzer Jr, CEO da WEG, comentou medidas que devem ser implementadas pelo governo, para recuperar a economia o mais rápido possível. Falou também sobre o investimento em inovação para sobreviver em qualquer ambiente competitivo, mas também em situações como a que estamos vivendo hoje. “É importante termos acesso a financiamento para projetos de infraestrutura e estratégicos que tragam ganhos sociais, termos políticas e financiamentos públicos para incentivar o desenvolvimento da demanda por mobilidade elétrica e soluções digitais para a indústria 4.0. Temos que trabalhar para que a indústria volte a ser vista como atividade essencial para o desenvolvimento do Brasil”, frisou.
Eric Santos, CEO da Resultados Digitais, destacou que as empresas de tecnologia têm papel fundamental durante a crise e serão responsáveis por acelerar a transformação digital nos diversos setores da economia. Ele mostrou que o ecossistema de tecnologia no Brasil deu um salto gigantesco nos últimos dez anos. “A gente tende a ver uma aceleração da transformação que já estava em curso. Temos efetivamente todos os atores disponíveis: elementos da comunidade, aceleradoras, investidores, profissionais de suporte e grandes empresas, como o Mercado Livre, e várias outras que se tornaram ‘unicórnios’”, citou. O cenário pré-crise mostra que até o primeiro trimestre desse ano o setor registrava crescimento vertiginoso de investimentos. “As big-techs estão em condições de emergir melhor da crise, como é o caso da Amazon. Já no caso das startups, a crise está trazendo impactos relevantes. Mais de 50% tiveram queda de receita acima de 20% e já fizeram lay-off e demissões, como o AirBnB e a Uber. Estamos vendo esse impacto bastante diverso no Brasil, enquanto algumas estão adotando o layoff, outras estão crescendo, como o e-commerce”, afirmou.
Martus Tavares, ex-ministro e vice-presidente de assuntos corporativos da Bunge Brasil, destacou que a indústria de alimentos é tradicional, mas as mudanças de hábitos e de comportamentos afetam todos os setores, inclusive esse. “O processo já vinha acontecendo, pois o grau de exigência do consumidor se elevou. A recuperação será um longo caminho e entidades, como a FIESC, têm papel importante no apoio à reforma tributária e na cobrança por investimentos em infraestrutura”, disse. Tavares avalia que indústrias tradicionais demorem mais a retomar os investimentos, exceto na área de tecnologia.