Em primeiro lugar, a Sharia, frequentemente traduzida como “caminho” ou “caminho para a água”, representa o sistema legal e moral que rege a vida dos muçulmanos, com base nos ensinamentos do Islão. Trata-se de um conjunto abrangente de normas que orienta não apenas questões jurídicas, mas também a conduta moral, espiritual e social. Ao longo dos séculos, a Sharia desempenhou um papel central na organização das sociedades muçulmanas, influenciando áreas tão diversas quanto política, economia e relações interpessoais.
De outro vértice, a base da Sharia encontra-se nos textos sagrados do Islão: o Alcorão, considerado a palavra revelada de Deus (Allah) ao profeta Maomé (Muhammad), e a Sunna, que compreende os ensinamentos e práticas do Profeta. Esses textos fornecem os princípios fundamentais que norteiam a interpretação e a aplicação da lei islâmica. Contudo, a interpretação desses princípios, conhecida como fiqh, evoluiu ao longo do tempo por meio do trabalho de juristas e estudiosos muçulmanos, que buscaram adaptar os preceitos divinos às necessidades e desafios de diferentes épocas e contextos.
Destarte, o fiqh, ou jurisprudência islâmica, é responsável por sistematizar a Sharia em regras concretas que possam ser aplicadas às diversas situações da vida cotidiana. Ele é dividido em quatro principais escolas de pensamento no Islão sunita (Hanafi, Maliki, Shafi’i e Hanbali) e duas no Islão xiita (Ja’fari e Zaydi). Essas escolas refletem diferentes métodos e abordagens na interpretação dos textos sagrados, permitindo uma pluralidade de opiniões dentro do âmbito do direito islâmico.
Outrossim, a Sharia não se limita a questões normativas no sentido estrito, como contratos, penalidades e disputas judiciais. Ela também abrange áreas como a ética pessoal, os atos de adoração (ibadah) e as obrigações comunitárias. Por exemplo, regulações sobre o comportamento alimentar, vestimentas, casamento e herança fazem parte desse sistema abrangente, refletindo a perspectiva islâmica de que a vida humana deve ser guiada por princípios divinos em todos os aspectos.
A aplicação da Sharia varia amplamente entre os países e comunidades muçulmanas, dependendo de fatores como tradições locais, influências coloniais e políticas contemporâneas. Em alguns países, como Arábia Saudita e Irã, a Sharia é a base exclusiva do ordenamento legal, enquanto em outros, como a Indonésia e o Paquistão, ela coexiste com leis de origem secular. Há também comunidades muçulmanas em países não-islâmicos que seguem aspectos da Sharia em relação a questões familiares e espirituais, dentro dos limites da legislação local.
Faz-se mister clarificar os precípuos conceitos da Sharia, destacando sua complexidade, diversidade e papel central na vida dos muçulmanos.
Em epítome, compreender a Sharia é essencial para um diálogo significativo sobre o Islã e as culturas muçulmanas, promovendo visão mais informada e equilibrada sobre esse sistema de normas que transcende a esfera legal para abarcar toda a experiência humana.
Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos
Advogado (OAB/SC 4912)